domingo, 24 de setembro de 2023

Figos


Outono!... tempo de nostalgia e de inspiração, para os pintores, poetas, fotógrafos e quiçá, gentes de outras artes. Tempo de regalar o paladar com a doçura das frutas breves como as uvas e os figos, dos sabores exóticos das romãs, dióspiros e dos frutos secos que nos alentam o físico e a mente durante todas as estações, como as  castanhas, avelãs, nozes e amêndoas. Por falar em figos (que eu tanto gosto), lembrei-me da seguinte quadra;

Não olhes p'ra mim não olhes
que eu não sou o teu amor
eu não sou como a figueira
que dá fruto sem dar flor.

Este é o primeiro verso da canção, que a saudosa fadista Amália Rodrigues e outras personagens do nosso meio musical, deram a conhecer a Portugal e ao mundo com o popular Fadinho da Tia Maria Benta.
 

Amália Rodrigues.
Foto da autoria de Augusto Cabrita

Segundo o que pesquisei, esta é uma canção de origem popular, de autoria desconhecida, cantada por amadores e profissionais de, e em várias regiões de Portugal. Embora sendo uma metáfora, o autor ou autores, cometeram um erro ao escrever, que a "figueira dá fruto sem dar flor". A figueira, tal como as outras árvores, também dá flor. Não sei, se a Dona Amália sabia ou não e para o caso também não interessa.
Vem tudo isto a propósito desta canção e de uma excepção, que eu observei numa figueira que plantei e cresce no meu quintal.
 

A minha figueira da espécie Ficus carica sativa e variedade pingo-de-mel

Antes de passarmos à anomalia que fez esta exceção, falemos um pouco da origem conhecida das figueiras. As figueiras são plantas nativas de regiões tropicais e sub-tropicais, que pertencem à família das Moreaceas, (Moraceae), compreendendo cerca de 40 géneros e várias espécies, das quais se destaca o género Ficus, que abrange aproximadamente cerca de 800 espécies, entre árvores, arbustos e plantas sarmentosas. Existem dois grandes grupos de figueiras, a Ficus carica, variedade silvestre (figueira brava, baforeira) apenas com a função de polinização, produzindo três camadas de figos não comestíveis (boloitos, lampos e vindimos) e a Ficus carica variedade sativa ou figueira mansa a qual pode produzir uma ou duas camadas de figos, denominados lampos e vindimos, ambos comestíveis. 

Localização de Caria na antiga região a Ásia menor, que hoje faz parte da Grécia.
Imagem: es.wikipedia.orgd

Como vimos anteriormente, as figueiras da espécie Ficus carica, pertencem à família Moraceae. O nome do género Ficus provém do latim ficu e carica é alusivo a uma antiga região da Ásia ocidental, Caria, onde esta árvore se cultivava em grande abundância. Sativa, provem do latim 'sativus', significando cultivado ou plantado. Porém, as únicas espécies de valor económico são as da espécie carica. Muitas das outras espécies, são utilizadas como plantas ornamentais e medicinais. As figueiras que se cultivam na minha região pertencem à espécie Ficus carica sativa, também designada como: figueira-da-Europa, figueira-de-baco, figueira-de-portugal, figueira-do-reino e figueira-mansa.

 

Primeira frutificação. Frutos já bem desenvolvidos no fim de Fevereiro, mas ainda sem folhas.

As figueiras da espécie Ficus carica, têm duas singularidades que as distinguem das outras árvores de fruto. A primeira é a de frutificarem duas vezes no ano nas variedades domésticas, ou três se forem de variedades silvestres. Pela observação que fiz na minha figueira que é da espécie Ficus carica sativa, a primeira frutificação, começa em meados do Inverno nos rebentos do ano anterior, quando a figueira está ainda desprovida de rebentos novos e portanto sem folhas. 

 

Figo lampo, muito desenvolvido em relação aos figos vindimos da segunda frutificação.
Imagem: www.fotosantesedepois.com

Esta primeira frutificação dá poucos figos, mas normalmente são maiores que os da segunda. Por cá, chamamos-lhes figos de S. João, porque amadurecem por meados de Junho, mês em que no dia 24 se celebra o dia dedicado a S. João Baptista. Junho é também o mês dos "Santos Populares".
Voltando aos figos, e embora eu nunca tenha ouvido esta designação, li, que os figos desta primeira frutificação, são também chamados de figos lampos. Lampos, quer dizer que aparecem ou amadurecem mais cedo, significando o mesmo que temporão. Dos que nasceram desta frutificação na minha figueira este ano, consegui colher um. Os outros, os melros tomaram conta deles. Eles madrugam mais cedo que eu...!

 
Figos da segunda frutificação  nos novos rebentos.

A segunda frutificação, tem inicio na Primavera. Conforme os rebentos novos vão crescendo (como se pode ver na foto acima), nas axilas das folhas, vão nascendo os novos figos,  desenvolvendo-se as duas frutificações em simultâneo, embora em estágios diferentes (como se pode ver na foto anterior). Estes são chamados figos vindimos, (vindimos, quer dizer que se podem colher por altura das vindimas) e amadurecem entre fins do mês de Agosto prolongando-se a sua colheita até finais do Outono. 

 AS FLORES

A outra singularidade das figueiras, e a razão porque escrevo todo este texto, são as suas flores. Diz o povo e a cantiga, que a "figueira dá fruto sem dar flor". Nada de mais errado, porque como todas as árvores, a figueira também dá flor. Quem, alguma vez nelas reparou?

Imagem: www.naturalezacuriosa.com

A figueira não tem as flores expostas como as outras árvores, por este facto, na época da sua floração, as flores da figueira não são visíveis de forma normal. As suas flores são pequeníssimas e estão reunidas em inflorescências especiais, dentro do pseudo-fruto a que chamamos figo, mas cujo nome correto é sicónio, que consiste num recetáculo fechado, com as flores que crescem no seu interior, e um orifício na sua base, a que dão o nome de ostíolo, cuja finalidade é servir de entrada e saída dos insectos, nas variedades de figos que precisam de ser polinizadas.

Esquema do corte de um figo

Imagem: phiggy.org
 
Podemos resumir, em linguagem simples, que o figo não é mais que um falso fruto, que ao contrário dos outros, desenvolve as suas flores e os verdadeiros frutos, dentro de si mesmo.


Figo próximo da maturação com flores femininas e os respectivos frutos ou aquénios.


Portanto, o figo não é mais do que uma infrutescência, designado por sicónio, com um tecido carnudo esbranquiçado, desenvolvendo-se a partir do caule, nas axilas das folhas, com as suas flores internas, cheias de estames, pólen e néctar, que como todas as flores formarão frutos diminutos, dispersos no receptáculo, (dentro do figo), que ao crescerem, fazem o figo ficar carnudo, suculento e doce.

A EXCEPÇÃO
 
Ao observar o desenvolvimento dos figos na minha figueira da variedade pingo-de-mel, verifiquei que um figo era diferente de todos os outros.
Depois de olhar com mais atenção, vi que tinha rachado o sicónio, ficando com parte das flores e dos frutos a desenvolverem-se exteriormente.

 

Figo da minha figueira, diferente e com as flores expostas.
 
Há um ditado popular que diz; Não há regra sem excepção!
Neste caso, (e a propósito das flores da figueira não se verem), este figo "resolveu" mostrar as suas flores e os frutos, para ser a excepção à regra e mostrar como o ditado está certo. Facultou também, a oportunidade de se ver o desenvolvimento das suas flores e frutos, sem necessidade de o abrir. Coisa rara, mas aconteceu.
 
 
Uma visão mais aproximada das flores e frutos expostos

Podemos
observar nesta foto, os aquénios com as pequeníssimas flores e os frutos  crocantes na sua base, já em fase de amadurecimento.
 

Outro ângulo de visão

Aqui podemos observar o figo excepcional entalado entre um "irmão", o pecíolo de uma folha e o caule. Tambem podemos ver o seu raquítico desenvolvimento no tamanho, em relação aos seus "irmãos".


Interior de aspecto delicioso, como os outros.     

O figo anómalo  já maduro, que eu cortei ao meio para ver o seu interior, que como se pode ver é igual aos outros. 
 

A cor dos figos 

Os figos, na minha região, são popularmente denominados pela cor da sua pele quando maduros. A saber: Verdes, Brancos e Pretos. Os verdes são mesmo de cor verde. Os brancos não são de cor branca mas em tons de verde claro ao  bege. Os pretos não são pretos mas em tons de rosa ao violeta. Actualmente acresce no mercado, uma nova variedade híbrida, de cor variegada, verde e bege.
 
 
Figos brancos da variedade Pingo de Mel junto ao figo anómalo.
 
Figos brancos, que como se pode ver não são brancos mas de tons verde e bege.
Estes são da variedade Pingo-de-mel, nascidos na minha figueira.


Figos verdes ou de S. João

Os fogos desta foto, são de uma figueira que cresce não
em um quintal mas numa bouça, junto à casa onde eu nasci. Talvez seja descendente da figueira que o meu pai plantou, no que era na altura o nosso quintal, pois é da mesma variedade. Sinceramente, não sei qual o nome desta variedade. O povo chama-lhes simplesmente figos verdes ou de S. João. Além de outros sítios, desta variedade, no quintal do meu bisavô, havia três grandes figueiras e no quintal do meu avô mais uma e na vizinhança mais quatro. Digo havia porque os habitantes são outros e as figueiras desapareceram. Nesse tempo era criança, mas comi figos de todas elas.
 
 
Figos verdes de S. João quase maduros.
 
Figos verdes ou de S. João quase maduros. Esta foto foi tomada na figueira acima mencionada. Infelizmente, essa figueira, tombou este inverno, durante uma forte intempérie que assolou a região no passado Inverno e foi serrada para lenha.
 

Figo preto bicudo

Nesta fotografia vemos uma variedade de figo preto "bicudo", assim designados por terem um formato cónico. A sua cor não é preta mas em tons de violeta muito escuro. Outrora conhecia a existência de três grandes e frondosas figueiras desta variedade. Hoje dessas figueiras, não resta nenhuma.
Pouco tempo depois de tirar esta foto, o terreno onde esta figueira se encontrava, foi vitima de uma "limpeza obrigatória", por pessoas muito ignorantes, que ao abrigo da lei da limpeza dos terrenos, limpam tudo sem dó nem piedade, sem se darem ao cuidado da proteção e preservação de árvores, arbustos e plantas herbáceas, únicas na região. Felizmente, antes de isto acontecer, cortei algumas pontas de ramos desta figueira que pus a enraizar. Depois de ganhar raízes, plantei uma no meu quintal que este ano já deu um figo.

Figo preto "achatado".

Nesta vemos três figos pretos "achatados". O povo da-lhes este nome para os distinguir dos "bicudos". A sua cor também não é o preto, mas em tons que vão do bege passando pelo rosa ao violeta.
Estes figos, são de uma outra figueira que eu tenho noutra parte do meu pequeno terreno, ao redor da minha casa. É uma figueira de porte raquítico, que não se desenvolve porque o terreno onde está plantada é seco, o que me obriga a regas frequentes. Para me agradecer estes cuidados, este ano deu uma meia dúzia de figos, dos quais restaram estes três, que não caíram com a seca. As figueiras "gostam" de terrenos frescos, ligeiramente húmidos, para se desenvolverem bem.
 
 
Figos parecidos com os bacorinhos
 
Havia também num quintal da casa onde nasci, uma figueira que penso que era bravia (silvestre), que dava uma abundância de figos que da nascença até à maturação eram amarelados, pequeninos com o máximo de três centímetros de diâmetro, mas muito bons, parecidos aos da fotografia acima. Chamavam-lhe figos bacorinhos. Era uma figueira única nas redondezas. Hoje já não existe. No Algarve é cultivada uma variedade de figos com este nome.
 
 
Fonte: pepinieres-minier.fr.

Nesta foto podemos ver a nova variedade de figos com cor variegada em verde e bege. Não sei se o seu sabor será bom, mas o aspecto é bonito.


Figos e rosas do meu quintal.

Para terminar, (que a conversa já vai longa), uma foto de uma colheita da minha figueira, enfeitada com lindas rosas do meu jardim. 
Muito mais haveria a dizer sobre figueiras e figos, talvez numa próxima mensagem escreva mais alguma coisa, sobre este quase infindável tema.
 
Diz o povo que figo, para ser bom, deve ter pescoço de enforcado, roupa de pobre e olho de viúva.
 
Obs... Escrever sobre figos, parece uma coisa atontada, pois o que aqui escrevi, já muita gente sabe, mas como cada um hoje em dia, tem a facilidade de escrever sobre aquilo de que gosta... escrevi algumas linhas sobre figos, que é uma fruta que gosto muito.
Talvez um dia explique porquê.


6 comentários:

  1. Fantastic photos and a very interesting narrative. I enjoyed them very much. Thank you! Thank you also for commenting on my blog and mentioning Fernando Pessoa. I have had a wonderful time finding out all kinds of interesting information. Much appreciate you mentioning his name. A hug and continued good week.

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    1. Thank you very much Denise.
      Fernando Pessoa is a universal poet. It is worth knowing a little more about his poetry, his heteronyms and his life.
      Have a good week.

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  2. Fascinating info and beautiful photos!
    Thanks for sharing this.
    Have a great weekend!

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    1. Thank you very much Veronica.
      I appreciate you reading it and your comment.
      Have a good week.

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  3. Também adoro figos e fiquei encantada com o seu texto e imagens.
    Este artigo fez-me lembrar a minha infância e o prazer que eu tinha de ir apanhar figos com o meu avô. Ainda hoje adoro o cheiro característico das folhas das figueiras.
    Desconhecia a maior parte destas informações, obrigado por esta excelente partilha.
    Um grande abraço

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  4. Olá Maria.
    Encantado por a minha mensagem lhe relembrar momentos doces da sua vida.
    Muito obrigado pelo seu comentário. Tenha uma boa semana.

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